Soli Deo Gloria: Servindo a Deus e não ao ego
Às vezes, vemos e ouvimos pessoas se queixando, ou percebemos que estão sobrecarregadas por situações que elas mesmas criaram. Elas arrolam para si uma autossuficiência, pois desejam que, quando a recompensa de seus esforços vier, a glória seja somente para elas. Por isso, não gostam de delegar funções nem de engajar outras pessoas, pois querem que todo o reconhecimento seja exclusivamente delas.
No mundo, como nós crentes costumamos dizer, isso pode ser normal. Muitas pessoas dão o seu melhor em seus trabalhos porque querem receber elogios, promoções e aumentos, e não porque enxergam seu trabalho como um serviço à sociedade. E, de fato, nem toda função profissional tem um impacto evidente na vida coletiva. Um médico, um professor ou um bombeiro consegue perceber claramente o benefício do seu trabalho, mas um operário que lixa um móvel pode ter dificuldade em ver seu serviço como uma contribuição maior.
"Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens." (Colossenses 3:23)
Mas esse homem é quase uma exceção. Muitos não compreendem que tudo – absolutamente tudo – o que fazemos deve glorificar a Deus.
A glória deve ser somente de Deus
Na igreja, essa mentalidade não pode existir, pois toda a glória deve ser somente de Deus. Soli Deo Gloria – somente a Deus a glória.
Infelizmente, há muito ego envolvido no serviço cristão. Recentemente, vivi essa realidade. Ninguém mais pode exercer determinada função porque uma pessoa, embora declare que não se sente capaz de executá-la, aparenta não suportar ver outros assumindo essa responsabilidade. E ainda justifica: "Isso eu vou fazer porque quero fazer isso para as pessoas, é um presente meu."
Mas, na prática, há muito eu nessa afirmação. Isso impede o Corpo de Cristo de crescer e de aprender com a multiforme graça de Deus. E isso não é só um problema organizacional – é um problema espiritual.
O corpo de Cristo precisa de TODOS os membros
"Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também é Cristo." (1 Coríntios 12:12)
"Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus." (1 Pedro 4:10)
Se apenas uma pessoa serve, ela impede os demais de exercerem seus dons, de crescerem espiritualmente e de experimentarem a alegria do serviço cristão.
O peso do fardo que não foi chamado para carregar
Essa postura de centralizar tudo em si mesma traz sofrimento para a própria pessoa. A Bíblia nos ensina um princípio claro:
"A quem muito é dado, muito se lhe pedirá; e a quem muito se confia, mais ainda se lhe exigirá." (Lucas 12:48)
Quem escolhe carregar sozinho aquilo que deveria ser compartilhado inevitavelmente será cobrado por isso. E, quando essa cobrança vem, a pessoa não suporta o peso de todo o fardo que pegou para si.
Jesus nos dá um ensino muito diferente dessa mentalidade de autossuficiência:
"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve." (Mateus 11:28-30)
Quando uma pessoa insiste em carregar o peso sozinha, ela rejeita o convite de Jesus para um serviço mais leve e equilibrado. A vida cristã e o ministério não foram feitos para serem vividos solitariamente, mas em comunhão.
O perigo da exaustão e do orgulho
O que acontece, então? A pessoa se desgasta, se frustra e, muitas vezes, começa a reclamar que ninguém a ajuda, sem perceber que foi ela mesma quem impediu os outros de servirem. Esse é o ciclo da exaustão espiritual causada pelo orgulho, e isso pode até mesmo levar ao afastamento da igreja ou à amargura contra os irmãos.
Provérbios nos alerta:
"O orgulho precede a destruição, e a arrogância precede a queda." (Provérbios 16:18)
O caminho de volta: compartilhar e confiar
No final de O Hobbit, Bilbo Bolseiro retorna ao Condado e percebe que, embora sua casa esteja no mesmo lugar, ele já não é o mesmo. Sua jornada o transformou, mas ao voltar, encontra dificuldades para compartilhar suas experiências e ser compreendido. Isso reflete um dilema comum: há aqueles que, por medo ou orgulho, preferem carregar sozinhos o peso de suas vivências, sem confiar nos outros para dividir alegrias e desafios. No entanto, assim como Bilbo aprende que a verdadeira riqueza não está no ouro dos dragões, mas nos laços construídos ao longo do caminho, também nós precisamos entender que crescer não significa isolar-se. O caminho de volta se torna mais leve quando escolhemos compartilhar e confiar.
A saída para esse ciclo não é continuar tentando carregar tudo sozinho, mas aprender a confiar em Deus e nos irmãos. Moisés passou por isso quando tentava julgar sozinho todo o povo de Israel, e foi advertido por seu sogro, Jetro:
"O que estás fazendo não é bom. Certamente desfalecerás, assim como este povo que está contigo. Pois esta tarefa é pesada demais para ti; tu não a podes fazer sozinho." (Êxodo 18:17-18)
Jetro aconselhou Moisés a delegar responsabilidades, para que ele não se esgotasse. Esse princípio continua válido hoje. Deus quer que a igreja funcione como um corpo, onde todos compartilham as cargas e ninguém carrega um peso maior do que deveria.
Portanto, se você tem vivido essa realidade – seja assumindo mais do que pode carregar, seja convivendo com alguém que faz isso – lembre-se: o serviço cristão deve ser leve, compartilhado e sempre para a glória de Deus.
Quando o sacrifício não é para Deus, ele não aceita
Para além de tudo isso, essa mentalidade de carregar tudo sozinho e impedir que outros sirvam muitas vezes está enraizada no desejo de ser reconhecido, aplaudido ou até mesmo de sentir-se indispensável. Mas Deus não se agrada de um serviço que nasce do orgulho ou da autopromoção.
Na Bíblia, vemos exemplos de sacrifícios que Deus rejeitou porque não foram oferecidos com o coração correto. Um dos mais marcantes está na história de Caim e Abel.
"E aconteceu que ao cabo de dias trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao Senhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o seu semblante." (Gênesis 4:3-5)
O problema não era apenas a oferta em si, mas a intenção por trás dela. Abel ofereceu o melhor de seu rebanho com fé e devoção genuína, enquanto Caim trouxe sua oferta apenas por obrigação ou para tentar ganhar o favor de Deus sem um coração sincero. E Deus rejeitou esse sacrifício.
Outro exemplo forte está em Isaías, quando Deus repreende Israel por seus sacrifícios vazios, que eram realizados apenas como rituais, sem um coração verdadeiramente voltado a Ele:
"De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? — diz o Senhor. Já estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados; e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação (...). As vossas festas da lua nova e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer." (Isaías 1:11-14)
O povo estava oferecendo sacrifícios, mas não para glorificar a Deus – e sim para manter uma aparência religiosa e se sentir justo diante d’Ele. E Deus rejeitou tudo.
Isso nos ensina que Deus não se impressiona com quantidade de serviço, cargos ocupados ou visibilidade no ministério. Ele olha para o coração.
O serviço que Deus aceita
O serviço que agrada a Deus não é aquele que busca reconhecimento humano, mas o que é feito com humildade e obediência. O próprio Jesus ensinou isso quando disse:
"Mas tu, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola seja dada em segredo; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente." (Mateus 6:3-4)
Isso vale não apenas para ofertas e esmolas, mas para todo serviço cristão. Se servimos esperando reconhecimento, aplausos ou gratidão, estamos sacrificando não para Deus, mas para nós mesmos.
O chamado para um serviço verdadeiro
O que Deus deseja é um coração disposto a servir para a Sua glória, e não para a nossa. Como o salmista escreveu:
"Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus." (Salmos 51:17)
Que possamos sempre lembrar que o verdadeiro serviço cristão não se trata de quantidade, de quem faz mais ou de quem é mais visto. Trata-se de glorificar a Deus, reconhecer a importância de cada membro do Corpo de Cristo e viver para Ele – e não para nós mesmos.
Como lidar com isso? Essa situação afeta tanto quem centraliza as funções quanto aqueles que gostariam de servir, mas são impedidos.
Para quem pratica:
Reconhecer a dependência de Deus: Entender que tudo é para a glória de Deus e não para satisfação pessoal.
Aprender a delegar: Confiar nos irmãos e permitir que cada um exerça seu dom.
Buscar humildade: O serviço cristão é um privilégio, não uma competição.
Pedir ajuda a Deus: Orar para que Ele ensine o caminho da verdadeira colaboração.
Para quem sofre:
Orar pela pessoa: Pedir a Deus que toque o coração daquele que centraliza o serviço.
Conversar com amor: Se for possível, abordar a questão de forma gentil e bíblica.
Permanecer disposto a servir: Mesmo diante da dificuldade, continuar com o coração aberto ao serviço.
Buscar sabedoria: Se necessário, pedir orientação a líderes espirituais.
"Entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva." (Marcos 10:43)
Que Deus nos ajude a viver para a Sua glória, sem buscar a nossa própria.
Soli Deo Gloria!
Comentários