Pai



Perdi meu pai quando tinha 15 anos. Apesar de ter partido cedo, ele foi um pai completo. Seu amor, cuidado e ensinamentos moldaram meu caráter e até hoje, mais de 20 anos depois, vejo nele a base do que sou, meu alicerce, aquilo que me sustenta em inúmeros sentidos.

Meu pai era um homem presente. Costumava passear muito com a gente aos finais de semana e, mesmo nos dias úteis, sempre encontrava tempo para estar conosco. Como corretor de imóveis, às vezes nos buscava no meio do dia para acompanhá-lo em uma visita a uma casa ou terreno, fosse no interior ou no litoral. Para ele, tudo era uma oportunidade de estar com a gente.

Ele também era um ótimo conversador, como todo bom mineiro. Nos aconselhava a estudar e ficava orgulhoso ao ver que éramos inteligentes e tirávamos boas notas. Assim como eu conversava com meu pai em qualquer momento do dia — fosse durante um passeio, no carro enquanto íamos a algum lugar ou até mesmo nas pequenas situações do cotidiano — hoje eu converso com Deus. Eu não O vejo fisicamente, mas sei que Ele está comigo, ouvindo cada palavra, cada pensamento, cada silêncio. No meu dia a dia, falo com Ele sobre as coisas mais simples e também sobre as mais profundas, assim como fazia com meu pai. Se estou feliz, compartilho minha alegria; se estou triste, desabafo. Peço conselhos, conto meus planos, agradeço e até questiono. E, assim como meu pai sempre tinha algo a dizer, Deus também responde — às vezes por meio da Sua Palavra, outras vezes através das circunstâncias, e muitas vezes pelo simples fato de me fazer sentir Sua presença em meio ao caos. A certeza de que Ele me ouve me fortalece, pois sei que nunca estou sozinha.

Meu pai sempre quis ter filhos meninos, mas Deus lhe deu três meninas. Ele nunca demonstrou frustração por isso, mas, de certa forma, nos moldou para compartilharmos um pouco desse universo que ele imaginava viver com filhos homens. Ele nos ensinou a torcer pelo Corinthians, vibrando com cada jogo como se estivéssemos dentro do estádio. Também fez questão de nos apresentar aos filmes que gostava, e foi assim que O Exterminador do Futuro se tornou o meu filme favorito até hoje. Além disso, ele nos ensinava sobre os homens — como pensavam, como agiam e quais cuidados deveríamos ter ao lidar com eles para não sofrermos consequências desnecessárias. Ele queria que fôssemos fortes, que soubéssemos nos proteger e que estivéssemos preparadas para o mundo. De certa forma, vejo nisso o cuidado de Deus, que, como Pai, nos orienta, nos fortalece e nos dá discernimento para enfrentar a vida com sabedoria.

Meu pai também era um homem extremamente trabalhador. Todos os dias, levantava cedo, preparava seu café e saía para trabalhar, dedicando-se incansavelmente para nos dar tudo o que precisávamos e até o que não era necessário, como quando deu um pandeiro parte mim e um violão para minha irmã mais velha. Mas, apesar do ritmo intenso, ele também sabia apreciar os momentos de descanso. Nos feriados, fazia questão de nos levar à praia ou a pesqueiros, onde relaxava e curtia nossa companhia. E assim vejo Deus: um Pai que trabalha em nosso favor sem cessar, mas que também nos ensina a desfrutar da vida, a descansar n’Ele e a valorizar os momentos de paz. Deus nunca deixa de agir, de prover, de cuidar — mas Ele também nos convida a confiar, a parar e reconhecer que tudo está sob Seu controle.

Meu pai tinha um coração enorme. Ele ajudava quem pedia e até quem nem sabia que precisava de ajuda. Nunca virava as costas para alguém em necessidade. Lembro de um dia em que ele levou uma facada ao tentar devolver um cachorro para um morador de rua. Qualquer outra pessoa teria simplesmente ignorado a situação, mas ele não. Ele se preocupava, se importava de verdade. Também não era raro baterem à nossa porta de madrugada pedindo ajuda, e ele sempre atendia, sem hesitar.

Além disso, meu pai cuidou dos irmãos que tinham deficiência com um amor e uma dedicação imensos. Ele não enxergava limitações como um peso, mas como uma oportunidade de amar mais. Vejo nisso um reflexo perfeito de Deus. Jesus nos ensina a amar sem esperar nada em troca, a servir sem medir esforços. A Bíblia nos mostra um Deus que cuida dos órfãos, das viúvas, dos doentes e dos rejeitados da sociedade. Meu pai viveu isso na prática.

"O que despreza o próximo peca, mas o que se compadece dos humildes é bem-aventurado." (Provérbios 14:21)

Se meu pai tinha defeitos? Com certeza. Todos os que Deus não tem. Mas, agora que ele não está mais aqui, só consigo me lembrar das qualidades, dos bons ensinamentos, do amor. Isso não significa que tudo foi perfeito — certamente houveram momentos difíceis, falhas e conflitos — mas, com o tempo, percebi que até essas coisas serviram para me ensinar lições valiosas e me fortalecer para o que viria depois, na ausência dele. E foi justamente na sua ausência que aprendi a me sustentar, a caminhar sozinha, a confiar ainda mais em Deus.

Houve situações em que achei que não iria sobreviver. Mas sabia, e sei, que mesmo diante da morte, há esperança. Porque na morte, há a glória de encontrá-lo novamente. Antes de partir, meu pai confessou a Cristo como Salvador, e eu creio, do fundo da minha alma, que Deus o salvou. Não porque meu pai era bom — por mais incrível que fosse, ele era humano e falho — mas porque Deus é bom, gracioso e misericordioso.

"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie." (Efésios 2:8-9)

Sinto saudade do meu pai até nas coisas que ele não viveu para ver. Seus netos lindos, as minhas conquistas e as das minhas irmãs, tantos momentos que eu gostaria que ele estivesse aqui para presenciar. Mas, por outro lado, eu tenho tão forte em mim a certeza de que ele se alegra com quem estou me tornando, que isso me dá uma força imensa—tanta que é como se ele estivesse presente. Então, não há vazio. Até a saudade é alegre. Não há falta, há só convicção e certeza.

Escrevo tudo isso porque tenho visto e convivido com muitas pessoas que, infelizmente, não se sentem assim, seguras. Se declaram crentes e filhas de Deus mas vivem como se não tivessem um Pai, protetor, infalível. E isso me faz perceber o quanto sou privilegiada. Porque esse tipo de convicção não se constrói do nada. Meu pai, com seu amor, seus ensinamentos e sua presença, contribuiu para minha edificação e, de certa forma, para a meu encontro com o Pai de todos nós .

 Ele me ajudou a enxergar Deus como um Pai antes mesmo que eu entendesse isso pela fé. E hoje, com o coração cheio de gratidão, louvo a Deus por ter tido o privilégio de viver com ele.

Sei que, se estivesse aqui hoje, ele faria qualquer coisa para me ajudar nos momentos difíceis. Se fosse preciso, assumiria as broncas no meu lugar, mas também não hesitaria em me corrigir e me fazer arcar com as consequências dos meus atos.

A presença de um pai terreno nos ajuda a construir confiança em Deus. Pais que amam e disciplinam seus filhos ensinam, sem palavras, que existe um Criador que cuida de nós da mesma forma. Mas, e aqueles que não tiveram um pai presente? Deus, em sua infinita graça, providencia adoção por meio de Cristo.

E, no final, foi nessa perda que encontrei o verdadeiro ganho: a certeza de que Ele sempre esteve comigo e que, um dia, estaremos juntos na eternidade. Seja qual for a sua história, Deus é o Pai que nunca falha. Ele nos ensina, protege, disciplina e, acima de tudo, nos ama de forma perfeita. E essa certeza nos sustenta todos os dias.

Comentários

Anônimo disse…
GLAU maravilhosa ..Te amo imensamente agradeço a DEUS pelos momentos que vivemos

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